ORDEM
DO DIA
Meus
comandados,
Há
204 anos, D. João VI criava a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, origem
remota da nossa Corporação e das demais polícias militares do Brasil. Entre
nós, não são muitas as instituições cuja trajetória se confunde com a história
do Estado-nacional. Por isso mesmo, a efeméride se refere a um acontecimento
fundamental não apenas para a família policial militar, mas para o conjunto da
brasilidade, na medida em que, devotada desde o seu nascimento à causa da paz
entre os homens, a Polícia Militar tem favorecido as circunstâncias da vida de
milhões de brasileiros e brasileiras, porque uma congregação de seres tão
desassossegados quanto oshomens não prospera sem polícia.
A
ideia de sociedade encerra uma promessa de felicidade. As sociedades devem ser
locais de acolhimento e de possibilidade de significação da existência humana.
O insigne pensador austríaco Otto Rank dizia que toda comunidade de homens e
mulheres é uma espécie de religião, porque é espaço para o desenvolvimento
humano, enquanto ampliação do sentimento de amor próprio, que almejamos
alcançar nas coletividades bem ordenadas. Toda sociedade humana é sagrada,
porque nelas realizamos o mais trágico e glorioso aspecto da nossa condição: a
obrigação de escolher. É, portanto, para garantia da liberdade que existem as
forças policiais. Defendê-la é combater pela soberania da razão; é se colocar
ao lado da vida contra a barbárie; e servir à vida outra coisa não é que servir
ao Autor da vida.
Festejar
o 13/05 é a conjugação do passado com o futuro, através de um presente que se
pretende orientado pela crença na construção de uma ordem justa, que assegure a
realização do progresso humano. É, sobretudo, uma ocasião para recordar o
sentido da nossa missão.
Nosso
compromisso é com a preservação da ordem jurídica; a polícia deve transmudar em
ato o ideal de civilização, em sua luta permanente contra as forças
dissolventes da barbárie. Nesse sentido é que se deve entender a centralidade
das instituições policiais para a fundação e preservação das comunidades
humanas.
Nosso
trabalho deve ser visto como uma parcela de colaboração no fazimento desse propósito
maior de sociedade justa, livre e solidária, como determina a Constituição da
Republica e por isso o nosso ofício é indissociável da defesa e da promoção da
dignidade da pessoa humana.
Há
muito para ser feito. Em que pese tudo aquilo que fizemos, nos últimos anos,
ainda temos um longo caminho a percorrer. O Rio de Janeiro vive momentos
singulares. Os olhos do mundo inteiro nos observam atentos. Temos dado
demonstrações inquestionáveis de nossa capacidade de empreender grandiosidades,
como o processo de pacificação tem demonstrado. Apesar disso, é preciso estar
sempre vigilante; a civilização não elimina a barbárie, como nos ensinou Freud;
faz apenas com que ela adormeça naquele fundo de treva que constitui o mistério
impenetrável da nossa humanidade.
Agradeço
o esforço de toda família policial militar em favor da construção de uma
cultura de paz no Estado do Rio de Janeiro. Hoje estaríamos reunidos no pátio
da nossa Academia D. João VI, a celebrar todas essas expectativas, na solenidade
de entrega do espadim de Tiradentes aos novos cadetes da Polícia Militar. Isso
não foi possível. Equívocos no processo de seleção retardaram o ingresso dos
novos alunos, inviabilizando a festividade em sua data tradicional. Lamento
profundamente o ocorrido. Peço desculpas pela necessidade de transferir essa
cerimônia para o próximo mês de junho, ainda que a medida tenha sido motivada
pelo desejo de preservar-lhe a majestade.
Gostaria
de deixar, para a reflexão da imensa família policial militar, as palavras com
as quais D. Quixote exortava Sancho Pança, quando este, inchado de emoção e de
orgulho, vai governar a ilha de Barataria. Espero que essas palavras possam
servir de inspiração nas adversidades; se possível façam delas um dístico, como
faziam os romanos antigos, porque não ficariam mal nas paredes, nas portas, na
consciência de todos aqueles que tenham nas mãos, a sorte de outros homens.
“[...]
achem em ti mais compaixão, Sancho fiel, as lágrimas do pobre, porém não mais
JUSTIÇA que as alegações do rico. Onde houver lugar para a equidade, não
carregues a mão no rigor da lei. Se houveres de dobrar a vara da Justiça, que
seja com o peso da misericórdia, e não com o dos favores. Quando tiveres que julgar
o pleito de um inimigo, aparta de ti a lembrança da injúria recebida, e pensa
apenas na verdade da causa alheia. Se a alguém tiveres de castigar com atos,
não o maltrates com palavras, pois já basta a pena do suplício sem o suplemento
das ofensas. Considera o culpado que cair na tua jurisdição como criatura
miserável, sujeita às condições da nossa triste natureza; e, quanto te couber,
por tua parte, sem fazer agravo à parte contrária, mostra-te piedoso e
clemente, porque não obstante sejam iguais todos os
atributos
de Deus, mais resplandece o da misericórdia que o da Justiça”.
Parabéns
e felicidade a todos!